sexta-feira, 9 de setembro de 2011

De cinco em cinco

De repente ela tem 10 anos e uma noção inexata sobre a vida. Corre todo um mundo de sonhos numa pedalada inconstante. Ela sabe que “viver não é preciso”. Um dia, um choro de incerteza a surpreende, um sentimento sem compreensão a invade. Deus dá às crianças toda a percepção do mundo, mas com as sabotagens dos adultos, a decodificação fica precária. Saudade é uma palavra difícil e o telefone um acesso restrito.



Ela se saiu bem, comprou flores, organizou a casa e ficou bonita para esperar. A porta do carro abriu e logo ouviu o portão. Ufa! Chegou! E se embriagou do melhor encosto de mãos e braços que talvez já teve na vida. Finalmente um choro decente. Ela jamais esquecera aquele cheiro característico de felicidade, e teria sido suas primeiras lágrimas de alívio. A paz voltou, mas a inocência saiu pela mesma porta, sem o menor rastro.


Certo dia, um semestre antes dos 15, ficou feliz por compreender o que passara, e a inexatidão sobre as coisas ainda não a incomoda, porque o sentido se dá com a observação dos fatos e a percepção de que as contas matemáticas ou a sistematização do tempo só existem por mera organização do homem que ainda é incapaz de viver ser demarcar ou monitorar coisas. Bobagem! Talvez ela passe a vida toda chegando atrasada nos locais porque não há finalidade em perder o prazer das coisas por 10 minutos de responsabilidade.


Então debruçada sobre sua impaciência, ouviu: toque, toque, toque, em um corredor. Um rosto conhecido se aproximou, com uma expressão assustadora. Em seguida um silêncio mais que necessário e odiosamente perturbador.


Uma mesa, um bloco de papel, e uma expressão pálida. Naquele dia, ganhou um carinhoso tapa na cara, não sentiu dor, estava anestesiada, considerou inútil demonstrar tristeza, decidiu mostrar-se apática. Na verdade só disse: ‘tá bom...


Seguiu um corredor de cheiro frio, foi ali que lhe apontaram o caminho para o desconhecido. Uma porta. Mirou sua infância como num flerte, mas deu as costas num abandono incompleto e a deixou do lado de fora.


Um olhar foi fitado, aquele momento talvez tenha sido o mais triste, nenhum especialista tinha explicado tão bem a falta de esperança, como toda a didática daquele olhar. O soro da veia lhe correu nos olhos. Uma certeza estranha absorveu qualquer possibilidade de mudança. Ali, parte do seu destino já estava traçado. A profecia não era satisfatória.


Desde muito pequena sabia que jamais poderia obter cálculos exatos. Mas dessa vez a conta era muito certa e os dias eram poucos. Foram horas longas e dias curtos. O suficiente para chegar nos 15 anos. Um bolo doce, um pedido amargo, nada de sonhos, nada de velas. Era só o último, de muitos que viriam carregados de ausência.


Agora ela entende o quanto se pode sentir dor e nem fazer conta disso. Mas essa não era a sua dor. Essa era a dor de quem partia e sabia que perderia o resto das primaveras de coisas imperdíveis, e era um caminho sem escolha ou volta. Não havia velas, mas o sopro foi apagado.


Então anda com um caderno de desenhos debaixo do braço, seus traços são cópias de outros traços, na busca constante do seu melhor. Gosta dos lápis mais escuros, aprende a fazer sombras e desenha olhos nos cantos de página. Se a vida fosse fácil ela teria aprendido matemática.


É que chegaram os 20 e ela coleciona histórias de coisas que começou a fazer. Certas, erradas, meio termo. Caçoa do malfeito, mantém-se bicho para aguçar os instintos, faz-se doce para manipular o espelho, põe-se dura, para que ninguém duvide de sua força e coloca-se brava para obter respeito. De noite se encolhe na cama para que os lençóis lhe dêem chamegos, chora um pouco e sorri grata por saber que é só uma fase.


Embora incomum, diante de tudo ela até que se acha normal, mas permanece com o mesmo sentimento abstrato sobre a vida e não ousa interpretá-la.


Com 25 aprendeu que só é possível controlar coisas individuais, ainda assim uma fração bastante desanimadora, e por isso, as vezes se frustra e porque entendeu as duras penas que ninguém foi feito para viver sozinho, mesmo assim, seu maior temor é depender de alguém para ser feliz e resiste ao máximo ao sentimento, porque tem medo de não aguentar uma rejeição.


Uma profissional proativa, uma filha desajeitada, uma irmã bandida e uma mulher que não se define, mas tem coragem e arriscar e sofre consequências. Não se isenta, nem se economiza. Corre ruas, praças e avenidas, com orgulho de se tornar o que tornou. Nada relacionado a status. Somente por jamais ter deixado de acreditar na inexatidão das coisas.

Às vezes tropeça e desanima, mas sabe que a hora certa vai chegar e sorri para o vento. Pena ela não estar aqui pra ver tudo isso, é o que ela pensa. E num suspiro faz uma oração.

Um comentário:

Unknown disse...

Entendi, os ciclos são bem melhores depois que eles se fecham e a gente pode observar eles de longe.

Gostei principalmente de:
mas permanece com o mesmo sentimento abstrato sobre a vida e não ousa interpretá-la.